quarta-feira, 10 de março de 2010

UFMT: A UNIVERSIDADE ‘SANGUE BOM’!
Prof. Dr. Darci Secchi*

Um dos desafios da minha profissão é o combate diuturno ao preconceito, à xenofobia e a tantas outras atitudes discriminatórias, mas não posso negar que ando meio grogue com a sova que levamos no ENEM. Por isso, busco ânimo para argumentar para além do bairrismo ou do derrotismo.
É bem verdade que, nos primeiros dias daquele carnaval maluco chamado SiSU, senti orgulho ao ver a UFMT estrelando na passarela como ‘a mais procurada’, como a ‘nova musa’ dentre todas as federais e coisas tais. Que bom se assim fosse, ou melhor, quem dera, seja!...
Não pretendo agora fustigar os que evocavam prognósticos favoráveis ao modelo de ingresso adotado neste ano pela UFMT e algumas outras (100% ENEM), porém os dados preliminares das matrículas confirmam uma evidência: os sobreviventes mato-grossenses são raros. Viraram notícia na mídia e nos bares: “Você viu o Bob, aquele amigo do Marley? Pois é, passou em Pedagogia. O cara é fera mesmo” – ou algo assim.
Para os que apostavam nos benefícios sociais e educacionais das mudanças (?), creio que não resta dúvida de que cometeram um grande erro, senão uma insensatez. Numa canetada transformaram a UFMT em doadora universal de vagas. Num passe de mágica nos tornaram uma Universidade “Sangue Bom”, a mais procurada da praça! Num drible desconcertante eliminaram a diversidade histórica, o convívio dos estudantes mato-grossenses com os demais brasileiros e instituíram uma tipologia única: o aluno tipo “AB” – receptor universal das nossas vagas. (Nos ouvidos ainda ecoa um antigo jargão: “Venha ocupar Mato Grosso! Aqui você encontra ouro, diamante, madeira, terras férteis e uma Universidade Federal só para você”. De fato, com esse samba-enredo e essa bandeira é fácil empolgar a passarela...
Feita a caca, e cientes de que não somos nem malucos nem otários – como sugeriu um professor de outra Universidade – creio que devemos refletir com serenidade sobre a melhor forma de equacionar o ingresso dos estudantes nas Universidades. Uma Universidade Pública que pretenda contribuir com o desenvolvimento regional jamais adotará um modelo de acesso centrado apenas na meritocracia (que prioriza o merecimento, o desempenho individual dos candidatos em detrimento dos interesses estratégicos do poder público e da sociedade em geral). O culto ao indivíduo - uma das âncoras do liberalismo desenfreado – não pode ofuscar os interesses coletivos, nem tampouco desencorajar a planificação por parte do Estado. Se é legítimo que os indivíduos ocupem os espaços alcançados por merecimento, também o é que o poder público e a sociedade viabilizem os seus projetos prioritários. Da maneira que está, a sociedade mato-grossense é triplamente onerada: primeiro, destinando as vagas da UFMT aos estudantes de fora que, uma vez formados, dirão ‘muito obrigado e tchauzinho’; segundo, custeando a formação dos seus jovens nas instituições particulares e, terceiro, tendo que importar profissionais de fora, implorando que aceitem trabalhar em Mato Grosso mediante régios pagamentos.
Numa Universidade em que todos se dedicam à formação de estudantes comprometidos e apaixonados pela profissão, não é aceitável que se repita e se legitime um processo seletivo baseado no mero acaso. Que ‘melhoria de qualidade’ poderá oferecer à UFMT e à sociedade uma turma de alunos (forasteiros ou não) vocacionados para serem médicos, mas que lhes restou o curso de Direito, ou de engenheiros, que acabaram nos cursos de Filosofia, Artes ou Nutrição?
Esse assunto é sério demais para ser postergado até o próximo ano, no aguardo de novas amostragens. Certamente elas serão piores. O Brasil inteiro lembrará da UFMT “Sangue Bom”, doadora universal, escancarada e permissiva.
É preciso que a comunidade universitária – estudantes, sindicatos, reitoria, Consepe etc. - ponha à mão a consciência e revejam esse modelo. É preciso que o interesse público prevaleça!

Doutor em Ciências Sociais (Antropologia), professor do Instituto de Educação da UFMT.

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